Vygotsky e o desenvolvimento humano
Elaine Rabello
José Silveira Passos
O que é Desenvolvimento Humano?
A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução,
em que nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa evolução, nem
sempre linear, se dá em diversos campos da existência, tais como afetivo,
cognitivo, social e motor.
Este caminhar contínuo não é determinado apenas por processos de
maturação biológicos ou genéticos. O meio (e por meio entenda-se algo muito
amplo, que envolve cultura, sociedade, práticas e interações) é fator de
máxima importância no desenvolvimento humano.
Os seres humanos nascem “mergulhados em cultura”, e é claro que esta
será uma das principais influências no desenvolvimento. Embora ainda haja
discordâncias teóricas entre as abordagens que serão apresentadas adiante
sobre o grau de influência da maturação biológica e da aprendizagem com o
meio no desenvolvimento, o contexto cultural é o palco das principais
transformações e evoluções do bebê humano ao idoso. Pela interação social,
aprendemos e nos desenvolvemos, criamos novas formas de agir no mundo,
ampliando nossas ferramentas de atuação neste contexto cultural complexo
que nos recebeu, durante todo o ciclo vital.
Na Psicologia do Desenvolvimento, temos algumas perspectivas
diversas.
• Para os teóricos Ambientalistas, entre eles Skinner e Watson (do
movimento behaviorista), as crianças nascem como tábulas rasas, que
vão aprendendo tudo do ambiente por processos de imitação ou reforço.
• Para os teóricos Inatistas, como Chomsky, as crianças já nascem com
tudo que precisam na sua estrutura biológica para se desenvolver. Nada
é aprendido no ambiente, e sim apenas disparado por este.
• Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Piaget, o
desenvolvimento é construído a partir de uma interação entre o
desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio.
Temos ainda uma abordagem Sociointeracionista, de Vygotsky,
segundo a qual o desenvolvimento humano se dá em relação nas trocas
entre parceiros sociais, através de processos de interação e mediação.
• Temos a perspectiva Evolucionista, influenciada pela teoria de Fodor,
segundo a qual o desenvolvimento humano se dá no desenvolvimento
das características humanas e variações individuais como produto de
uma interação de mecanismos genéticos e ecológicos, envolvendo
experiências únicas de cada indivíduo desde antes do nascimento.
• Ainda existe a visão de desenvolvimento Psicanalítica, em que temos
como expoentes Freud, Klein, Winnicott e Erikson. Tal perspectiva
procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações
conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos
durante a infância e pelo resto do ciclo vital.
Vygotsky nasceu em 1896 na Bielo-Rússia, que depois (em 1917) ficou
incorporada à União Soviética, e mais recentemente voltou a ser Bielo-Rússia.
Nasceu no mesmo ano que Piaget (coincidência?!), mas viveu muitíssimo
menos que este último, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de
completar 38 anos. Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a
cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções
psicológicas são um produto de atividade cerebral. Conseguiu explicar a
transformação dos processos psicológicos elementares em processos
complexos dentro da história.
Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem
no desenvolvimento do indivíduo. Sua questão central é a aquisição de
conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Para o teórico, o sujeito é
interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais
e de troca com o meio, a partir de um processo denominado mediação.
As principais obras de Vygotsky traduzidas para o português são "A
formação social da mente", "Psicologia e pedagogia" e "Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem", “A Construção do Pensamento e
Linguagem” (obra completa), “Teoria e Método em Psicologia”, “Psicologia
Pedagógica”.
Vygotsky morreu em 1934, e sua obra permaneceu desconhecida no
Ocidente até os anos 60, principalmente por razões políticas. Teve dois artigos
publicados em periódicos americanos nos anos 30, e apenas em 1962 saiu nos
Estados Unidos o livro Pensamento e Linguagem, edição a partir da qual foram
feitas outras – inclusive a brasileira, mas que na verdade é uma compilação
que corresponde a apenas um terço da obra.
Vygotsky trouxe uma nova perspectiva de olhar às crianças. Ao lado de
colaboradores como Luria, Leontiev e Sakarov, entre outros, apresenta-nos
conceitos, alguns já abordados por Jean Piaget, um dos primeiros a considerar
a criança como ela própria, com seus processos e nuanças, e não um adulto
em miniatura.
O teórico pretendia uma abordagem que buscasse a síntese do homem
como ser biológico, histórico e social. Ele sempre considerou o homem inserido
na sociedade e, sendo assim, sua abordagem sempre foi orientada para os
processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sóciohistórica e na interação do homem com o outro no espaço social. Sua
abordagem sócio-interacionista buscava caracterizar os aspectos tipicamente
humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como as características
humanas se formam ao longo da história do indivíduo (Vygotsky, 1996). Vygotsky et. al. (1988) acredita que as características individuais e até
mesmo suas atitudes individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo,
ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi
construído a partir de sua relação com o indivíduo.
Suas maiores contribuições estão nas reflexões sobre o
desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em meio social, e
também o desenvolvimento do pensamento e da linguagem.
Desenvolvimento e Aprendizagem: a Zona de Desenvolvimento Proximal
Para J. Piaget, dentro da reflexão construtivista sobre desenvolvimento e
aprendizagem, tais conceitos se inter-relacionam, sendo a aprendizagem a
alavanca do desenvolvimento. A perspectiva piagetiana é considerada
maturacionista, no sentido de que ela preza o desenvolvimento das funções
biológicas – que é o desenvolvimento - como base para os avanços na
aprendizagem. Já na chamada perspectiva sócio-interacionista, sócio-cultural
ou sócio-histórica, abordada por L. Vygotsky, a relação entre o
desenvolvimento e a aprendizagem está atrelada ao fato de o ser humano viver
em meio social, sendo este a alavanca para estes dois processos. Isso quer
dizer que os processos caminham juntos, ainda que não em paralelo.
Entenderemos melhor essa relação ao discutir a Zona de Desenvolvimento
proximal.
Os conceitos sócio-interacionistas sobre desenvolvimento e
aprendizagem se fazem sempre presentes, impelindo-nos à reflexão sobre tais
processos. Como lidar com o desenvolvimento natural da criança e estimulá-lo
através da aprendizagem? Como esta pode ser efetuada de modo a contribuir
para o desenvolvimento global da criança?
Em Vygotsky, ao contrário de Piaget, o desenvolvimento –
principalmente o psicológico/mental (que é promovido pela convivência social,
pelo processo de socialização, além das maturações orgânicas) – depende da
aprendizagem na medida em que se dá por processos de internalização de conceitos, que são promovidos pela aprendizagem social, principalmente
aquela planejada no meio escolar
1
.
Ou seja, para Vygotsky, não é suficiente ter todo o aparato biológico da
espécie para realizar uma tarefa se o indivíduo não participa de ambientes e
práticas específicas que propiciem esta aprendizagem. Não podemos pensar
que a criança vai se desenvolver com o tempo, pois esta não tem, por si só,
instrumentos para percorrer sozinha o caminho do desenvolvimento, que
dependerá das suas aprendizagens mediante as experiências a que foi
exposta.
Neste modelo, o sujeito – no caso, a criança – é reconhecida como ser
pensante, capaz de vincular sua ação à representação de mundo que constitui
sua cultura, sendo a escola um espaço e um tempo onde este processo é
vivenciado, onde o processo de ensino-aprendizagem envolve diretamente a
interação entre sujeitos.
Essa interação e sua relação com a imbricação entre os processos de
ensino e aprendizagem podem ser melhor compreendidos quando nos
remetemos ao conceito de ZDP. Para Vygotsky (1996), Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP), é a distância entre o nível de
desenvolvimento real, ou seja, determinado pela capacidade de resolver
problemas independentemente, e o nível de desenvolvimento proximal,
demarcado pela capacidade de solucionar problemas com ajuda de um
parceiro mais experiente. São as aprendizagens que ocorrem na ZDP que
fazem com que a criança se desenvolva ainda mais, ou seja, desenvolvimento
com aprendizagem na ZDP leva a mais desenvolvimento,por isso dizemos que,
para Vygotsky, tais processos são indissociáveis.
É justamente nesta zona de desenvolvimento proximal que a
aprendizagem vai ocorrer. A função de um educador escolar, por exemplo,
seria, então, a de favorecer esta aprendizagem, servindo de mediador entre a
criança e o mundo. Como foi destacado anteriormente, é no âmago das
interações no interior do coletivo, das relações com o outro, que a criança terá
condições de construir suas próprias estruturas psicológicas (Creche Fiocruz,
1
Vejamos que esta diferença de concepções entre Piaget e Vygotsky se dá, em grande parte, pelo fato de
que , para Piaget, desenvolvimento ´maturação’, e para Vygotsky, o termo também compreende o
desenvolvimento psicológico. 2004). É assim que as crianças, possuindo habilidades parciais, as
desenvolvem com a ajuda de parceiros mais habilitados (mediadores) até que
tais habilidades passem de parciais a totais. Temos que trabalhar, portanto,
com a estimativa das potencialidades da criança, potencialidades estas que,
para tornarem-se desenvolvimento efetivo, exigem que o processo de
aprendizagem, os mediadores e as ferramentas estejam distribuídas em um
ambiente adequado (Vasconcellos e Valsiner, 1995).
Temos portanto uma interação entre desenvolvimento e aprendizagem,
que se dá da seguinte maneira: em um contexto cultural, com aparato biológico
básico interagir, o indivíduo se desenvolve movido por mecanismos de
aprendizagem provocados por mediadores.
Para Vygotsky, o processo de aprendizagem
deve ser olhado por uma ótica prospectiva, ou seja, não
se deve focalizar o que a criança aprendeu, mas sim o
que ela está aprendendo. Em nossas práticas
pedagógicas, sempre procuramos prever em que tal ou
qual aprendizado poderá ser útil àquela criança, não
somente no momento em que é ministrado, mas para
além dele. É um processo de transformação constante na
trajetória das crianças. As implicações desta relação entre
ensino e aprendizagem para o ensino escolar estão no
fato de que este ensino deve se concentrar no que a
criança está aprendendo, e não no que já aprendeu.
Vygotksy firma está hipótese no seu conceito de zona de
desenvolvimento proximal (ZDP).
(Creche Fiocruz, 2004)
Pensamento e Linguagem:
Existem duas grandes vertentes na Psicologia que explicam a aquisição
da linguagem: uma delas defende que a linguagem já nasce conosco; outra,
que é aprendida no meio. Vejamos os principais autores de cada uma das
partes: Proposta ambientalista: “do nada ao tudo através da experiência”
Skinner: possibilidade de explicar a linguagem e qualquer
comportamento humano complexo pelos mesmos princípios estudados em
laboratório.
A proposta inatista forte:
Chomsky: o bebê nasce com todo o aparato. Nada é aprendido no
ambiente; é apenas disparado por ele. A criança apenas vai se moldando às
especificidades da sua língua.
A proposta interacionista:
Piaget: o mecanismo interacionista -- a linguagem faz parte de uma
função mais ampla, que é a capacidade de representar a realidade através de
significados que se distinguem de significantes.
Vygotsky: raízes genéticas do pensamento e da linguagem – linguagem
é considerada como instrumento mais complexo para viabilizar a comunicação,
a vida em sociedade. Sem linguagem, o ser humano não é social, nem
histórico, nem cultural.
Bruner: Psicologia cultural – defende a visão cultural do desenvolvimento
da linguagem e coloca a interação social no centro de sua atenção sobre o
processo de aquisição.
Cole: Sociocultural – para que a criança adquira mais do que rudimentos
de linguagem, ela deve não apenas ouvir ou ver linguagem, mas também
participar de atividades que a linguagem ajuda a criar e manter.
Para Vygotsky, a relação entre
pensamento e linguagem é estreita. A
linguagem (verbal, gestual e escrita) é
nosso instrumento de relação com os
outros e, por isso, é importantíssima na
nossa constituição como sujeitos. Além
disso, é através da linguagem que
aprendemos a pensar
(Ribeiro, 2005).
As funções da linguagem
A linguagem é, antes de tudo, social.
Portanto, sua função inicial é a
comunicação, expressão e
compreensão. Essa função
comunicativa está estreitamente
combinada com o pensamento. A
comunicação é uma espécie de função
básica porque permite a interação social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento.
Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a
linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e
seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem
egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.
A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento
de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo
ao pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função
intelectual. Nesta transição, surge a chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala
que a criança emite para si mesmo, em voz baixa, enquanto está concentrado
em alguma atividade. Esta fala, além de acompanhar a atividade infantil, é um
instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planejar uma resolução para
a tarefa durante a atividade na qual a criança está entretida (Ribeiro, 2005).
A fala egocêntrica constitui uma linguagem para a pessoa mesma, e não
uma linguagem social, com funções de comunicação e interação. Esse “falar
sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as idéias e planejar
melhor as ações. É como se a criança precisasse falar para resolver um
problema que, nós adultos, resolveríamos apenas no plano do pensamento /
raciocínio.
Neste momento, a criança faz a maior descoberta de
sua vida: todas as coisas
têm um nome.
Stern
Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita
no livro Pensamento e Linguagem (1998), do mesmo autor, é o fato de que, por
volta dos dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da
linguagem – que até então eram estudados em separado – se fundem, criando
uma nova forma de comportamento.
Este momento crucial, quando a linguagem
começa a servir o intelecto e os pensamentos
começam a oralizar-se – a fase da fala
egocêntrica – é marcado pela curiosidade da
criança pelas palavras, por perguntas acerca de
todas as coisas novas (“o que é isso?”) e pelo enriquecimento do vocabulário.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança
progressivamente abstrai o som, adquirindo capacidade de “pensar as
palavras”, sem precisar dizê-las. Aí estamos entrando na fase do discurso
interior. Se, durante a fase da fala egocêntrica houver alguma deficiência de
elementos e processos de interação social, qualquer fator que aumente o
isolamento da criança, iremos perceber que seu discurso egocêntrico
aumentará subitamente. Isso é importante para o cotidiano dos educadores,
em que eles podem detectar possíveis deficiências no processo de
socialização da criança. (Ribeiro, 2005)
Discurso interior e pensamento
O discurso interior é uma fase posterior à fala egocêntrica. É quando as
palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É
um pensamento em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do
discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o
que não é, necessariamente, feito em palavras. É algo feito de idéias, que
muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo
para achar as palavras certas para exprimir um pensamento.
O pensamento não coincide de forma exata com os significados das
palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras
de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem
escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão em uma
frase ou em um discurso. Portanto, podemos concluir que o pensamento não
se reflete na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que
permite a transmissão do seu pensamento para outra pessoa (Vygotsky, 1998)
Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano
analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a
motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que
abrange nossas inclinações e necessidades, nossos interesses e impulsos,
nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir imensamente na nossa fala e
no nosso pensamento. (Vygotsky 1998)
Pensar é conceber, fragmentar e seqüenciar – ao mesmo tempo – uma dada
situação. As palavras são mediadores entre pensamento e mundo externo.
BIBLIOGRAFIA
CRECHE FIOCRUZ. Projeto Político Pedagógico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.
RIBEIRO, A. M. Curso de Formação Profissional em Educação Infantil. Rio de
Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005.
VASCONCELLOS e VALSINER. Perspectivas co-construtivistas na educação.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes,
1996.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.
Sobre os autores:
Elaine Rabello: Graduanda em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Analista Transacional em Formação - Curso 202 na Área Clínica
José Silveira Passos: Psicólogo (CRP-05/18842), Psicoterapeuta, Analista
Transacional (Membro Didata em Formação da UNAT-BR), Master em Ecologia
Humana (Escola de Ecologia Humana - Argentina), Consultor Organizacional e
Engenheiro
Como citar este artigo?
RABELLO, E.T. e PASSOS, J. S. Vygotsky e o desenvolvimento humano. Disponível
em <http://www.josesilveira.com> no dia xx de xxxxxx de xxxx.
Apesar de longo é bem explicativo.
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